Manifesto "Por um futuro decente, num PORTUGAL NOVO"
Estranha revolução esta, que desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou. Estamos a viver em pleno absurdo, a escrever no livro da História gatafunhos que nenhuma inteligência poderá decifrar no futuro. Jogamos numa roleta de loucos (…) e o espectáculo que damos é o de um manicómio onde enfermeiros improvisados e atrevidos submetem milhões de concidadãos a um electrochoque aberrante e desumano.
Miguel Torga
Com o 25 de Abril, o Portugal moderno viu-se perante grandes desafios que se resumiram nos célebres “três dês”: descolonizar, democratizar e desenvolver.
A descolonização, por demasiado tardia e com o país em convulsão, não ilustrou o nosso passado, nem acautelou interesses históricos, tal como não garantiu uma transição pacífica e segura dos povos irmãos, que colonizámos. A liberdade permitiu-nos, contudo, trilhar os caminhos da democracia e do desenvolvimento.
A democracia política é hoje uma certeza: a informação circula; os partidos e as associações organizam-se livremente; as mulheres e as minorias gozam de igualdade; os trabalhadores alcançaram importantes direitos; a ciência, a cultura e as artes desenvolvem-se sem limitações de ordem ideológica; e, em teoria, ninguém é perseguido ou descriminado por delito de opinião.
Também no desenvolvimento se verificaram inegáveis avanços: apostados na solidariedade, dotámo-nos dum SNS e dum sistema de SS de que nos podemos orgulhar; a democratização do ensino é uma realidade; no Continente e Ilhas, cresceu a mais sofisticada rede rodoviária do mundo; as nossas aldeias e cidades estão irreconhecíveis; a máquina fiscal, embora voraz, funciona; o consumo aumentou significativamente; o tecido produtivo tem vindo a modernizar-se; e também a segurança pública se mantém em níveis satisfatórios.
E no entanto – enquanto o bem-estar se estendia a milhões de lares e a adesão à Europa nos permitia sonhar com um futuro radioso - eis-nos mergulhados na mais negra crise desde o 25 de Abril e numa das graves, desde a implantação da República. Porquê?...
A causa das coisas
Os nossos males não nasceram no dia em que o “mundo mudou”, isto é, quando a crise internacional caiu sobre nós e nos obrigou a baixar o défice das contas públicas e a “apertar o cinto”. O problema da economia portuguesa vem de longe e reside no desequilíbrio da nossa balança comercial, assente num modelo de desenvolvimento insustentável: consumimos mais que produzimos; ou seja, gasta-se mais do que ganha, recorrendo a mais e mais empréstimos, numa espiral sem fim. Em 2009, em cada dia que passava, cada português pedia emprestado 5 €; hoje, depois dos vários “apertos”, estamos a pedir 6 € ao estrangeiro, até porque a nossa credibilidade baixou e os juros subiram em flecha.
Como explicar este descalabro da democracia, quando ela já se desfez de reservas de ouro, ainda vende património e recebe importante ajuda europeia?
As raízes da exaustão do Tesouro são múltiplas e profundas: desde logo, a perda dos mercados coloniais e a fixação de milhões de emigrantes noutros países, com a consequente quebra de remessas; mas, também, a sentença de morte que foi ditada a “actividades desprezíveis” como a agricultura, as pescas e a marinha mercante; acresce uma Administração Pública ineficaz, quando não persecutória, que parasita, quando não sufoca, as actividades económicas; depois, foi a miragem do euro fácil e duma economia “puxada” pelo consumo e por obras públicas; a que se somou o disfarce fácil do défice das contas públicas, pelo recurso a cosmética e a encaixes financeiros resultantes das privatizações; e houve ainda o fácil deslumbramento duma estouvada classe política que continua a engordar, sem fazer contas; por fim, neste desvairo despesista até a Banca se apurou, ao estender o endividamento às famílias e às autarquias.
Em fuga para a frente, nunca os avanços verificados na silvicultura e no turismo, e a reconversão industrial em marcha, poderiam evitar o choque da globalização, que nunca prevenimos, nem enfrentámos. E assim se chegou ao momento actual, com Portugal em “crescimento zero” à custa da progressão da dívida e dos subsídios europeus. E assim nos encontramos cada vez mais reféns de outros, enquanto prometemos pagar os empréstimos contraídos com mais empréstimos, a juros especulativos. Será esta situação sustentável, mesmo com apoios internacionais de última hora? Por quanto tempo? E, sobretudo, a que preço? Será que a nossa geração não está a hipotecar o futuro das gerações vindouras, porventura a comprometer a independência dum dos países mais emblemáticos do planeta? Será que neste panorama tão sombrio, como real, para além da classe política pedir mais e mais sacrifícios aos portugueses, nada mais se pode fazer?
A origem do nosso descontentamento
Muitos dos nossos responsáveis políticos defendem que bastará corrigir o défice, uma vez que as medidas já tomadas chegam para debelar a crise e tranquilizar os mercados, contaminados por erros alheios, entretanto corrigidos. E, no entanto, os juros da dívida mantêm-se incomportáveis e a generalidade do povo português acredita que o pior está para vir, enquanto olha com profunda preocupação e desconfiança para um Estado que, nos últimos vinte anos, não cessou de engordar e de exigir mais e mais recursos aos cidadãos e empresas.
Mais profunda e grave que a crise económico-financeira, que hoje quase todos admitem, é a negação da verdade e a crise de valores em que a sociedade portuguesa se encontra mergulhada e que impede a definição duma estratégia segura e uma mudança de rumo. É hoje claro que o “Estado Social” se tornou num “Estado Insaciável”, incapaz de controlar a despesa, mesmo quando corta em investimentos considerados vitais para a modernização do país. Está hoje assimilado pela maioria dos portugueses e das portuguesas, que a nossa classe política, na sua globalidade, se deixou enredar numa abundância de interesses, e numa carestia de valores, que lhe retira credibilidade e espaço de manobra:
Será credível um Presidente da República, que nos pede sacrifícios, mas que nunca abdicou de lautas reformas? E que, enquanto governante, inaugurou o regabofe das aposentações imorais e de derrapagens nas empreitadas públicas?
Será credível um Governo que multiplica assessores, e mantém Governos Civis a par de Comissões Regionais, além de milhares de Fundações, Institutos e empresas públicas e parcerias, enquanto decreta contenção de despesas?
Será credível uma Assembleia da República inundada de deputados capazes de aprovar novas mordomias, em plena crise?
Será credível uma classe política que corta apoios às famílias numerosas, mas mantém prémios abusivos e reformas douradas imorais?
Será credível um país atafulhado de autarquias falidas? Onde germinam milhares de empresas e instituições, que só servem para dar “tachos” aos eleitos e boys, de todos os quadrantes políticos? Que sustenta empresas monopolistas sugadoras e entidades reguladoras que, notoriamente, nada regulam?
É credível uma Administração que cria empresas num minuto e gere dezenas de Serviços sempre prontos a encerrá-las, em segundos? Uma Gestão sem objectivos, que se refugia no laxismo e numa burocracia criativa sem limites, em prejuízo das iniciativas dos cidadãos? Que desenvolve práticas fundadas numa cultura da desconfiança e da repressão, sendo travão e não acelerador do desenvolvimento? Dirigida por “responsáveis” que erguem uma teia de evasivas e obstáculos, sempre que são chamados a decidir? Que nem aproveita os fundos europeus? Que ergueu um santuário, onde não há avaliação e só alguns “pilha-galinhas” são punidos?
São credíveis Tribunais à deriva, que não julgam, apesar de dotados de magistrados suficientes? Será credível uma Justiça que se enreda em práticas absurdas e na lotaria em que se transformou a aplicação da lei. E que dizer dum Ministério Público que se atola frente aos nossos olhos, em intermináveis processos de corrupção?
Será credível uma Escola Pública que vai perdendo fôlego em relação às privadas, que apresenta níveis de qualidade que a colocam na cauda da Europa e que mantém os professores desmotivados e descontentes?
Estes são os males que impedem uma profunda mudança na nossa estrutura económica e retiram a confiança dos portugueses na sua classe política e o nosso crédito, nos mercados externos. Estas são as principais das razões porque falharam as perspectivas de desenvolvimento, sonhadas a 25 de Abril.
Relançar a esperança entre os portugueses
Entre os partidos da esquerda portuguesa, o PS é o único com vocação para exercer o poder, situação que lhe acarreta responsabilidades acrescidas perante o seu eleitorado.
Assim o entendeu o actual primeiro-ministro, que iniciou o seu primeiro mandato com um leque de reformas, que os portugueses saudaram calorosamente. Infelizmente, porém, essa chama renovadora foi-se extinguindo ao longo do tempo. É certo que, como mais ninguém, o PM se tem desdobrado a melhorar a imagem do país, dentro e fora das fronteiras. Porém, e as sondagens não o escondem, a opinião pública considera hoje o PS como o principal responsável pela situação de crise que o país atravessa.
Compete-nos a nós, militantes do PS, reunidos no seu órgão máximo que é o Congresso Nacional, interpretar a voz dos eleitores que em nós confiaram. À altura do nosso passado, e das nossas responsabilidades, compete-nos contribuir para virar uma página menos feliz, da nossa História. Não desejamos confrontar quem nos tem orientado, mas, em busca de novos caminhos, é nossa obrigação promover uma saudável análise em torno da situação actual e contribuir para que o Estado Português, no seu todo, possa encontrar soluções que tornem o futuro dos portugueses mais auspicioso. Futuro que passa por impedir que as emoções e os interesses contaminem a militância partidária. E, sobretudo, por relançar uma prática política que renove a confiança e a esperança dos portugueses.
Nós queremos estabilidade e por isso entendemos que o PS tem de voltar a ser um instrumento de mudança e de progresso. Num momento em que a classe política pede sacrifícios aos cidadãos, será legítimo que o Estado não esteja à altura desse desafio?
Nos últimos vinte anos, o Estado Português recorreu a engenharias legais e orçamentais que desembocaram em graves desvios, que urge vencer com energia e determinação. Entre outras medidas julgadas úteis e convenientes, os militantes que subscrevem esta Moção entendem que é necessário reforçar as seguintes orientações, todas elas imprescindíveis à modernização e à eficácia duma Administração Pública, de que todos somos responsáveis:
1 – Portugal mantém elevados níveis de pobreza e de exclusão social, como nenhum outro país do espaço europeu: um programa nacional de combate à fome, à pobreza e à exclusão social, deverá ser a primeira preocupação do Estado Social.
2 – Defendemos intransigentemente a sustentabilidade da SS pública, como uma das maiores conquistas de Abril. Mas exigimos uma SS justa e solidária, que ponha fim ao escândalo das reformas douradas. Batemo-nos pela fixação dum limite máximo de 75%, sobre o vencimento do PR.
3 – Defendemos um SNS universal, geral e tendencialmente gratuito, na continuação duma aposta de solidariedade entre todos os portugueses. Mas queremos um SNS que não despenda somas incomportáveis, escravo de interesses corporativos de que a limitação ao curso de Medicina é apenas um afloramento.
4 – O PS modernizou o equipamento e estendeu todos os graus de ensino a todos os portugueses, mas o país mantém uma enorme taxa de analfabetismo, programas escolares desajustados, muita indisciplina nas escolas e péssimos indicadores de qualidade. Queremos um ensino público em saudável concorrência com as iniciativas privadas, que aproxime os programas às nossas necessidades e realidades, que forme e distinga os professores e que verdadeiramente lhes destine o primado das questões pedagógicas.
5 – Hoje, a Justiça constitui a principal pecha da nossa democracia, sendo motivo de preocupação para o cidadão comum e para qualquer investidor. A lei é mole para o prevaricador e o caloteiro e é dura e cara para o cumpridor. Daí que deva ser efectuado um esforço nacional nesta área, com simplificação de textos e práticas, e a formação e diferenciação de todos os seus agentes, a todos os níveis.
6 – A tremenda dívida acumulada colocou Portugal numa situação de dependência, à mercê de pressões. A nossa credibilidade externa depende hoje da alteração de alguma legislação laboral, sendo certo que alguma, que parece conceder garantias, acaba por ter efeitos perversos, contribuindo para a destruição do nosso tecido económico, para a ineficácia da função pública, para a queda do investimento e para a deslocalização das empresas. Portugal é hoje o terceiro país da Europa com mais trabalho precário e recibos verdes, pelo que é importante rever algumas leis, adaptando-as às necessidades competitivas, numa estratégia de combate ao desemprego e com real salvaguarda dos direitos dos trabalhadores.
7 – A Administração Pública e Autárquica é hoje uma das causas majores da nossa incapacidade em renovar o país. Nós queremos uma Administração rigorosa e eficiente, que seja amiga dos cidadãos e que vá ao seu encontro para resolver problemas e não para colocar entraves. Defendemos a responsabilização administrativa e criminal dos funcionários que, por omissão, incompetência ou dolo, prejudiquem de forma julgada procedente qualquer cidadão ou empresa.
8 – Queremos uma Administração transparente e eficaz, que só recorra a estudos e pareceres exteriores, quando tal for devidamente fundamentado.
9 – Entendemos que a exclusividade é uma regra de ouro, incontornável, em toda a Administração Pública e Autárquica.
10 – Entendemos também que devem ser penalizados os responsáveis por desvios orçamentais relevantes, à margem da lei, ainda que sem benefício pessoal.
11 – Finalmente, queremos “emagrecer” o Estado Democrático:
A) – Com a redução do número de deputados para 150, à custa dos círculos com mais de quatro deputados.
B) – Com a extinção dos Governadores Civis e sem aumento dos quadros das Comissões Regionais.
C) – Com a redução e fixação, pela AR, dos cargos de nomeação política, e respectivos assessores, estes com uma remuneração máxima de 75% do vencimento do PM e limitação de mordomias.
D) – Com a cessação destes contratos em qualquer momento, sem direito a indemnização, seja por perda da confiança ou por queda do Governo.
E) – Com a integração de Fundações, Institutos e demais organismos que complementam e vivem da actividade pública, nos serviços competentes.
F) Com a integração nas contas do Estado de todas as empresas públicas, bem como o controle de execução das parcerias
12 – Como há, também, que “emagrecer” a Administração Autárquica:
A) Com a fixação do número de assessores, aplicando-se o limite máximo de 75%, sobre o vencimento do PC e limitação de mordomias.
B) – Com a integração das empresas autárquicas, nas autarquias.
Ao lançar este Manifesto, com vista a submetermos uma futura Moção da responsabilidade do Movimento PORTUGAL-SIM ao sufrágio dos militantes do PS, no próximo Congresso Nacional, não nos anima qualquer súbita sede de poder ou de protagonismo. Pelo contrário, trata-se duma intenção amadurecida ao longo de anos, que se radica na convicção de que alguém, dentro da classe política, tem de iniciar uma discussão com vista a corrigir os sérios vícios que hoje corroem a nossa sociedade. Só mudando as regras, poderemos travar práticas abusivas que destroem o Estado, e minam a confiança dos cidadãos nas suas instituições, com grave distorção da democracia e entrave ao desenvolvimento.
Sabemos que não é fácil a tarefa a que propomos, num remar contra a maré de oportunismo e facilidade que hoje varre todas as organizações políticas e administrativas da República, sem excepção. Estamos contudo dispostos a travar esta luta, cientes de é necessário inverter o rumo e pôr fim ao divórcio actual, entre a sociedade em geral e a classe política.
Amarra-nos ao leme a vontade inquebrantável de servir Portugal, relançando um claro sinal reformista e de esperança ao país, dentro e fora do PS. Desejamos e esperamos que a nossa acção possa contribuir para a recuperação da credibilidade do PS e do seu Governo. E que por esta via também se possa melhorar a imagem de Portugal, na Europa e no mundo.
Queremos um Portugal Novo, antes que se comprometa, em definitivo, o futuro risonho que almejamos para a juventude.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2010
Movimento PORTUGAL-SIM
Cândido Ferreira (primeiro subscritor)
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