A desilusão instalou-se e milhões de portugueses perguntam se vale a pena votar. Como à entrada dum restaurante manhoso, hesitam. Pode algum dos nossos políticos caseiros servir prato de jeito? Adianta trocar Sócrates por Seguro, Vitorino ou Costa? Existirá diferença entre Santana, Durão, Meneses ou Coelho? Penso que não. Para além do rolar de cabeças, urge alterar as regras do jogo...
Mudámos muito nos últimos 25 anos, em que a política deixou de ser encarada como honraria, uma espécie de coroa destinada a ilustrar cidadãos exemplares, em auge de carreira. Sem darmos por isso, o Portugal dos valores desabou e, agora, só os apetites e os interesses ditam lei. De repente, damos conta de que já quase não sobra cargo para gente digna. Como afirmou Mário Soares, estamos a engordar “boys que só querem promover-se e ganhar dinheiro”. Porque será que este país já não deita estadistas da têmpera de Cunhal, Zenha, Soares, Mota Pinto, Sá Carneiro, Adriano, Freitas ou Lucas Pires? Será que estamos mesmo condenados a aguentar esta corporação de medíocres, que transforma o nosso paraíso de Abril num inferno?
A triste verdade é que, hoje, todos os nossos partidos mais representativos aceitam pacificamente esta prática corrupta que é terem-se tornado em agências de emprego. Perante o descalabro da Justiça, não admira que várias questões assaltem o cidadão escrupuloso, que apenas deseja um futuro decente para os seus filhos: Como secar a “porca da política”, se há tanta gente a mamar à conta de Juntas e Câmaras? Se até as obscuras Assembleias Municipais são disputadas, ao darem senhas e complementos de reforma? E como eliminar tanta Fundação, PPP e empresa pública e municipal que nos arruína, enquanto os mamões enriquecem? Como pôr fim ao regabofe, se a Presidência da República é servida por 650 funcionários, se desloca em 60 viaturas de luxo e gasta muito mais que a Corte de Espanha? Como avançar com reformas, se a maioria dos figurantes das campanhas eleitorais é pessoal contratado, amigalhaços que parasitam a Administração e emperram o país?
Sem perceber porque a Europa já não está disposta a pagar por tanto desgoverno, o PCP e o BE assumem hoje um discurso absurdo e, a olharem para o umbigo, nem sequer admitem discutir a redução de Deputados e Juntas de Freguesia. Enquanto isso o “Bloco de Direita”, que é o CDS, acena-nos com novas oportunidades. Puro ilusionismo porque, recusando até encolher o Parlamento, apenas propõe a extinção de alguns ministérios, enquanto pisca o olho aos seus “jotas”. E haverá regeneração possível para o insaciável PS que, em nome do Estado Social, corta abonos de família e isenções de propinas e mantém tachos, mordomias e reformas milionárias para os seus servidores?
De portas escancaradas a toda a casta de oportunistas, os nossos Partidos deixaram de ser espaços de controlo e debate e expurgam quem, honestamente, deseja servir o país. À vista de todos, é claro que esta classe política, no seu conjunto, recusará qualquer dieta. É uma evidência que, no dia a seguir às eleições, qualquer líder estará refém de malta que apenas quer abanar a árvore das patacas. Por isso, antes que a bancarrota precipite a barbárie e o caos, a solução terá de passar pela implementação de novas regras que travem o actual saque.
Antes do último Congresso, um grupo de militantes do PS, em que ainda me integrei, fez um derradeiro esforço na tentativa de impor cortes drásticos, incluindo o fim das acumulações na Administração e a responsabilização criminal dos seus agentes. Ingénuos, acreditámos que podíamos influir na agenda política mas, face ao silenciamento a que fomos sujeitos, a maioria depressa desistiu. Os raros sobreviventes ficaram a pregar no deserto, enquanto a comunicação social se focava nos “superiores interesses” do país… ao caso as eleições do Sporting. A certa altura, Jorge Lacão ainda ousou propor a redução do número de deputados. Aqui D’el-rei, ia caindo da sua cadeira de ministro…
Na peugada das propostas que o nosso grupo então apresentou, o PSD veio agora, tardiamente, defender o “emagrecimento do Estado Democrático”. Manuela Ferreira Leite já assim pregava, em 2003. Porém, mal assumiu funções, permitiu que o número de boys explodisse, com o PSD e o CDS à mesa do Orçamento, no fartar vilanagem que ainda hoje prossegue. O nosso país não precisa de palavras ocas, mas de rigor e de verdade. Para que a política volte a ser uma actividade digna e honesta – e Portugal volte a ter futuro – qualquer Governo terá de extinguir tachos e mordomias: é também urgente definir o número de deputados, quais os lugares de nomeação, se vai haver Governos Civis, quantos autarcas pagos e com que assessores, etc. etc…
Reduzidos os portugueses à condição de meros pagantes, este é o abuso central a que a democracia portuguesa terá de pôr cobro, sem o que ninguém poderá esperar por um futuro decente, depois das próximas eleições.
Cândido Ferreira
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